London Calling: O regresso do Menino Triste
Depois de ter falhado os Festivais da Amadora de 2010 e 2011 por motivos vários, eis que chega finalmente às livrarias "Punk Redux", a tão aguardada aventura punk do Menino Triste
Alter-ego do seu criador, João Mascarenhas, o Menino Triste, apesar do nome e da própria imagem da personagem (num registo caricatural cada vez mais próximo do mangá na estilização), não é propriamente o herói de histórias dirigidas ao público infantil, mas antes o nosso guia para as memórias e reflexões de Mascarenhas. Depois de em “Os Livros” ter partilhado com os seus leitores as obras que o influenciaram, enquanto homem e enquanto artista, e ter-nos feito reflectir sobre os mecanismos da criação artística, numa viagem simbólica entre Coimbra e Veneza., no álbum "A Essência", Mascarenhas transporta-nos agora até à cidade de Londres nos meados dos anos 70, em pleno despertar da revolução Punk, adaptando para o universo do Menino Triste as memórias de um Verão que o autor passou em Londres, em 1976.
Uma Londres onde os caminhos do Menino Triste (ou Sad Boy, como lhe chamam os seus amigos ingleses) se cruzam com ícones da música e da cultura Punk, como Sid Vicious, Malcon McLaren, Siouxsie Sioux, Vivienne Westwood, ou Soo Catwoman, que assina o prefácio do livro.
A capa do livro, cujas cores e grafismo remetem para "Never Mind the Bollocks", o mítico primeiro disco dos Sex Pistols, dá um ponto de partida perfeito para esta verdadeira viagem no tempo. Um tempo em que se acreditava que era possível mudar o mundo através da música e em que saber cantar ou tocar um instrumento estava longe de ser condição indispensável, ou até necessária, para se formar uma banda.
Conforme refere a editora na nota de imprensa: “O punk foi muito mais do que os clichês dos cabelos em crista, das pulseiras de picos e da obscenidade. Há uma essência criadora e uma energia vital que foram esquecidas e que este livro tenta recuperar: o seu grito inconformista, a sua luta contra o convencional, a ousadia de afirmar...” Grito de revolta de uma geração que contestava os valores tradicionais da sociedade britânica, o Punk estava de longe de ser um movimento homogéneo, como o prova a discussão entre Malcom McLaren e Soo Catwoman, na loja “Sex” da Vivienne Westwood. Uma discusão provavelmente inventada, mas que sintetiza bem o carácter transversal do movimento Punk.
Misturando cenas que viveu, com outras que assistiu ou lhe contaram, Mascarenhas constrói uma ficção autobiográfica muito bem documentada do que foi o movimento punk e do impacto que bandas como os Sex Pistols, ou os Clash tiveram na juventude da época. Colocando o grafismo ao serviço da história, o registo mais “Linha clara” dos livros anteriores, dá aqui lugar a um profuso uso de tramas (em mais uma aproximação ao mangá) para criar efeitos de sombra, e a própria disposição dos quadrados na página não podia ser mais punk, com vinhetas coladas com fita-cola, ou presas por alfinetes, numa bem conseguida tradução visual do espírito “do it yourself” que caracterizou o Punk.
Regressado a Portugal depois destas férias inesquecíveis, o Menino Triste deparou-se com a realidade bem diferente do Portugal pós-25 de Abril. Mas, apesar em vez de cristas e pulseiras de picos, haver cabelos compridos e barba, a música também era importante. Não por acaso, numa das últimas imagens do livro vemos o Menino Triste defronte de uma parede onde estão um grafitti do Zeca Afonso e um cartaz do FMI, do José Mário Branco. Uma boa maneira de Mascarenhas nos lembrar que, também neste país de brandos costumes, a cantiga é uma arma.
(“O Menino Triste: Punk Redux”, de João Mascarenhas, Qual Albatroz, 48 pags, 10 €.
Versão integral do texto publicado no Diário As Beiras de 30/12/2011
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